terça-feira, 23 de maio de 2017

Diferença entre comodato e mera permissão de uso de bem imóvel

Apesar de parecerem a mesma coisa ou ter singela diferença, o comodato e a mera permissão de uso são formas negociais bem distintas, inclusive no que diz respeito aos seus efeitos jurídicos.

Os dois institutos são alvo de inúmeras ações possessórias que tramitam pelos tribunais país a fora, isso porque um deles advém da posse, e o outro da detenção do bem.



Assim, temos que o comodato transfere a posse direta do bem ao comodatário, assim como a mera permissão de uso caracteriza-se pela detenção do imóvel. Pois bem, vamos discorrer sobre cada uma dessas relações jurídicas.

Como dissemos, o comodato tem a ver com a posse, e a mera permissão de uso com a detenção. Observamos que iremos tratar aqui dos casos em que envolvam apenas particulares, sendo que há casos em que envolvem particulares e pessoas jurídicas de direito público, o que será apreciado em outro tópico. Vejamos a diferença entre posse e detenção na lei.


Posse e detenção

O Código Civil, em seu art. 1.196, diz que:

Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, 
de algum dos poderes inerentes à propriedade.”

Para esclarecer, os poderes inerentes ao exercício do direito de propriedade são o de usar, gozar e dispor do bem.


Por seu turno, no art. 1.198, prescreve que:

Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.”


Assim, vemos que, na posse, quem a exerce, tem algum dos poderes inerentes à propriedade, ou seja, o uso e gozo do bem, não tendo apenas o direito de disposição (alienação) do mesmo, salvo se for proprietário. O possuidor age como se dono fosse da coisa. 

Já na detenção, a pessoa não tem esses pressupostos, pois ela apenas conserva a posse em nome do legítimo possuidor. Dessa forma, o detentor age não sob sua vontade, mas sob as ordens e orientações do possuidor. Na prática, o detentor possui, no máximo, o direito de uso precário do bem, sob a tolerância do possuidor.


Comodato

Nosso Código Civil, traz o conceito deste instituto, em seu art. 579, in verbis:

O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.”


Como falamos de bem imóveis, o comodato, portanto, traduz-se no negócio jurídico que envolve o empréstimo por parte do possuidor, geralmente o proprietário (comodante), de forma gratuita, de um imóvel a terceiro (comodatário), consolidando-se o negócio com a entrega (tradição) das chaves do bem ao último.

De salientar-se que coisas não fungíveis ou infungíveis são aquelas que não podem ser substituídas por outras iguais, como é o caso do bem imóvel.

Pois bem, nesse caso, o comodatário assume a posse (direta) do imóvel, podendo dele usar e gozar, como se dono fosse do bem, inclusive conservando o mesmo e respondendo por eventuais danos causados ao imóvel.

Geralmente, o comodato se dá por prazo determinado, findo ao qual a posse direta do imóvel será devolvida ao seu legítimo proprietário ou possuidor. Quando não houver prazo, este se dará pelo tempo necessário ao fim a que se destina o comodato. Passado, este tempo, a posse se torna precária, dando o direito ao legítimo possuidor à reintegração de sua posse, se for o caso, na justiça.


Mera permissão de uso

Vejamos a previsão do art. 1.208, Código Civil:

Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência
ou a clandestinidade.”


Assim, a mera permissão de uso se dá quando o proprietário ou possuidor do imóvel deixa o imóvel aos cuidados de terceira pessoa (detentor), sob suas ordens e orientações, para que o último conserve a posse do bem em nome do primeiro. O que existe, de fato, é uma mera tolerância por parte do possuidor a que o detentor use o referido bem.

Um bom exemplo disso são os guardas de construções, os quais ficam cuidando do bem contra a atitude de qualquer outra pessoa que não a do seu senhor ou possuidor, inclusive possuem as chaves do imóvel. Outro exemplo interessante é quando o possuidor “autoriza ou permite” que seu imóvel na praia, sua fazenda, ou qualquer outro bem imóvel, seja usado por terceiros com a finalidade de lazer ou de festas num determinado dia, geralmente, finais de semana.

Contudo, a situação mais problemática, amplamente discutida em inúmeras ações judiciais, é o caso da permissão de uso do imóvel para moradia de outrem, inicialmente são por alguns dias, até que resta por tempo indeterminado. 

Esse tipo de negócio se dá, no mais das vezes, entre pessoas íntimas, isto é, parentes ou amigos, caso em que complica ainda mais o relacionamento entre as partes quando o detentor resolve, buscar na justiça a declaração judicial de negócio jurídico diferente do que realmente ocorreu, por exemplo, uma locação, comodato, doação, não raras vezes até usucapião do bem.


Jurisprudência

Vejamos o entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. POSSE. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.

1. Partindo da premissa estabelecida pelo Juízo de primeiro grau de que "[...] a embargante sempre foi mera detentora do imóvel em questão, pois possuía somente permissão de uso por tolerância do proprietário", deixou certo o acórdão recorrido que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, não constituem eles, portanto, impeditivo à penhora do imóvel de propriedade do devedor".

2. Nesse cenário, o reclamo especial não merece ser conhecido, visto que não se mostra cabível, nesta via, perquirir acerca da condição da agravante como possuidora do imóvel ante o óbice constante da Súmula 7/STJ. Os fatos são aqui recebidos tal como estabelecidos pelo Tribunal a quo, senhor na análise probatória. E, se a violação do dispositivo legal invocado perpassa pela necessidade de se fixar premissa fática diversa da que consta do acórdão impugnado, inviável o apelo nobre.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 947.737/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016).
* grifo nosso


No mesmo sentido, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul traz o ensinamento sobre a mera permissão de uso e o comodato:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. POSSE (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE RESCISÃO DE COMODATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PRESENTES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. A demonstração da posse pela parte autora sobre o imóvel controvertido, lhe confere o direito à reintegração possessória. Atos de mera tolerância ou permissão que não redundam em posse. Exegese literal do artigo 1.208 do Código Civil. Ademais, em se tratando de comodato, cabe ao comodatário o dever de conservação do bem, não podendo ser ressarcido das despesas havidas com o uso e gozo da coisa emprestada, a teor do disposto no art. 584 do Código Civil. Portanto, estando a decisão hostilizada em consonância com a prova produzida e com a legislação reguladora da matéria, faz-se de rigor sua confirmação nesta Corte, em seus exatos termos. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70046098125, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 10/12/2015). 
*grifamos


Considerações finais

O que se pode tirar de lição do acima exposto é que, todo negócio deve ser primeiramente conversado e acertado entre as partes no que tange à natureza do negócio que se quer fazer. Feito isso, o negócio escolhido (comodato ou declaração de permissão de uso) deverá ser documentado e assinado com reconhecimento de firma pelas partes, com duas testemunhas.

Outro ponto que consideramos de suma importância é constar o prazo do negócio no documento, bem como do interesse das partes em prorrogar ou não o contrato ao seu final.

Para proteger interesse do possuidor, imprescindível o documento escrito, seja ele comodato ou declaração de permissão de uso do seu bem a terceiro. Isso evita maiores transtornos, inclusive judiciais, por falta de prova documental.

Por outro lado, para proteger interesse do detentor, caso o negócio vise lhe tornar legítimo possuidor, recomendamos que o negócio seja também expresso, assinado em cartório, perante duas testemunhas, pois já vimos casos em que uma doação não se concretizou por falta de prova documental, somado ao arrependimento do doador que alegou em juízo mera permissão de uso do bem.


Fica aí a dica, um abraço.


Glaiton.


quinta-feira, 13 de abril de 2017

Usucapião e suas modalidades – procedimento judicial e extrajudicial


Uma das formas de aquisição da propriedade é através do instituto do usucapião. Ele pode ser judicial (ação de usucapião) ou extrajudicial (processo administrativo realizado em cartório de registro de imóveis). Primeiramente, vamos discorrer um pouco sobre este instituto.




I – O que é usucapião?

A palavra usucapião vem do latim usucapio, que significa "adquirir pelo uso"; no sentido jurídico é o direito de domínio (propriedade) que um indivíduo adquire sobre um bem (no caso, imóvel) em função de o haver utilizado (estar na posse desse bem) por determinado tempo, de forma contínua e pacífica, como se fosse o real proprietário do mesmo.


II – Pressupostos

Para que o direito de propriedade seja reconhecido é necessário que o possuidor atenda determinados pré-requisitos previstos em lei, são eles:

- Esteja na posse do bem por determinado lapso de tempo;

- Que a posse seja mansa, pacífica e ininterrupta;

- Sem intervenção, seja do proprietário ou de terceiros.


III – Tipos de usucapião

A doutrina classifica o usucapião em três modalidades:

Usucapião ordinário;

Usucapião extraordinário; e

Usucapião especial.


III.1 - Ordinário

Previsto no art. 1.242 do Código Civil, é a modalidade de usucapião que depende de justo título e de boa-fé. Ele é caracterizado pela posse que, cumulativamente, ocorra de maneira mansa e pacífica, sem interrupção e sem oposição do proprietário. O tempo de posse exigido é de 10 anos.

Vejamos o dispositivo legal:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Esse prazo será reduzido de 10 para 05 anos se, comprovadamente, o possuidor houver adquirido o imóvel de forma onerosa (paga), com registro cartorário do título, mas que posteriormente esse título foi cancelado por conter algum vício.

Além disso, o possuidor deverá também ter estabelecido o imóvel para sua moradia, bem como ter realizado investimentos de interesse econômico e social.

O justo título poderá ser um contrato, um recibo de compra e venda ou qualquer outro documento que prove a aquisição do bem. A boa-fé pode ser entendida como a real intenção do possuidor de ser dono do bem, ante a constatação de que o imóvel fora abandonado pelo seu legítimo senhor.


III.2 - Extraordinário

Também previsto no Código Civil, em seu art. 1.238, o usucapião extraordinário independe de justo título ou de boa-fé. Nesse caso, apesar de não depender de justo título e boa-fé, a posse deverá ser justa, ou seja, não pode ser violenta, nem clandestina, nem precária; além de ser mansa e pacífica (sem oposição). O prazo é de 15 anos.

Veja-se o texto legal:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Esse tipo de posse se caracteriza quando o possuidor simplesmente entra no imóvel e lá permanece como se dono fosse, mansa e pacificamente, pelo referido lapso de tempo, sem que haja, nesse período, qualquer oposição do proprietário ou de terceiros. A sentença declaratória servirá como título hábil ao registro da propriedade do imóvel ao seu possuidor.

Além disso, o prazo do usucapião extraordinário poderá ser reduzido de 15 para 10 anos quando o possuidor houver, comprovadamente, estabelecido no imóvel a sua moradia habitual realizado no bem obras ou serviços de caráter produtivo.


III.3 - Especial

É a espécie de usucapião baseada na ideia da função social da propriedade, conforme o inciso XXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º (...)

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;


Divide-se em duas subespécies: a usucapião especial rural e especial urbana.

Por sua vez, a usucapião especial urbana ainda subdivide-se em duas modalidades: individual e coletiva.


III.3.1 - Urbana

III.3.1.1 - Individual

O usucapião especial urbana individual ocorre no caso de imóveis urbanos com área de até 250 metros quadrados. É necessário que o imóvel tenha sido ocupado para si ou para abrigo de sua família e, ainda, que o possuidor tenha tratado o imóvel como se dono fosse. 

Aqui não há exigência de justo título, mas presume-se a boa-fé. É exigido que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel (urbano ou rural) e que a posse tenha ocorrido de forma mansa e pacífica, ininterruptamente e sem oposição. O prazo é de 05 anos.

Veja-se a previsão do art. 183, caput, da Constituição Federal:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.


III.3.1.1.1 - Individual familiar (por abandono do lar)

Trata-se de uma nova modalidade de usucapião especial urbana individual, incluído no Código Civil pela Lei 12.424/11. Nesse caso, é necessário que o imóvel seja usado como lar de um casal, sejam eles cônjuges ou companheiros (aqui entendemos hetero ou homossexuais), com ou sem filhos, mas que posteriormente seja abandonado por um deles e o outro permaneça no imóvel.

Prescreve o art. 1.240-A do Código Civil:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Nesse caso, a regra não é muito diferente das demais modalidades; para a concessão do usucapião, é necessário que a posse seja mansa, pacífica e ininterrupta, exclusiva e sem oposição do cônjuge ou companheiro que saiu do imóvel. O prazo, aqui, é de 02 anos.


III.3.1.2 - Coletiva

A usucapião urbana coletiva foi introduzida pela Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que regulamenta a previsão do art. 183 da Constituição no sentido de conceder-se o usucapião de maneira coletiva, tendo como beneficiários pessoas de baixa renda.

Os requisitos são: posse mansa, pacífica e ininterrupta; sem oposição do proprietário ou terceiros, e não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. O prazo é de 05 anos.

Veja-se o art. 10 do Estatuto da Cidade:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

O possuidor poderá aproveitar o tempo de posse de seu antecessor, desde que as posses sejam contínuas. 

Porém, nesse caso, o juiz atribuirá igual fração ideal (mesmo tamanho de área) de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, exceto se houver acordo por escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

Como se trata de uma área com vários moradores (condomínio), em que a lei considera especial, o condomínio é indivisível, não cabendo, a princípio, extinção de condomínio, salvo se for por vontade de dois terços dos condôminos no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.


III.3.2 - Rural

Por fim, temos o usucapião rural, o qual já tinha previsão legal antes mesmo da Constituição de 1988, na Lei de Usucapião Especial de Imóveis Rurais nº 6.969/81. Com o advento da Carta Magna, a previsão do usucapião rural passou a vigorar no art. 191:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Por sua vez, o Código Civil Brasileiro também traz a mesma previsão da usucapião especial rural em seu art. 1.239.

O dispositivo legal acima traz os requisitos para a usucapião, quais sejam, não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, posse mansa, pacífica e ininterrupta, área rural não superior a 50 hectares; e que a terra usucapida, além de servir como moradia, seja fonte de atividade produtiva capaz de garantir o sustento do futuro proprietário e de sua família. O prazo é de 05 anos.

Neste caso, não se exige justo título, mas presume-se a boa-fé quando diz que a terra deve servir para atividade laboral destinada ao sustento da família.


IV – Aproveitamento da posse anterior

Outra característica importante, que talvez muitos não saibam, é que a posse anterior pode ser contada para fins de tempo para usucapir o bem, desde que a atenda os requisitos a cada modalidade de usucapião.

Vejamos a previsão do art. 1.207 do Código Civil que trata da posse em geral:

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.


E do art. 1.243:

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.


V – Quando não cabe o usucapião

Há casos em que não se admite, em princípio, o usucapião, como, por exemplo, de bens públicos, de herança, de imóvel resultante de contrato de locação, de condomínio, imóveis do sistema financeiro de habitação, etc. Não iremos nos aprofundar porque em todos os casos há grande discussão. Assim, poderá ser tema de outro artigo.


VI – Dos procedimentos

VI.1 - Usucapião Judicial

O novo Código de Processo Civil não trouxe previsão legal para a ação de usucapião. Isto significa que o procedimento adotado será o comum, previsto no art. 318 e seguintes.

Contudo, o CPC trouxe duas previsões sobre a ação de usucapião, são elas:

Art. 246. A citação será feita:

(...)

§ 3o Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada.


Art. 259. Serão publicados editais: 

I - na ação de usucapião de imóvel;


Desse modo a citação será feita aos proprietários de imóveis de fazem divisa com o imóvel usucapiendo, exceto se o imóvel for uma unidade autônoma dentro de um condomínio, por exemplo, um apartamento. Também se admite a citação por edital.

Haverá, durante o processo, a intervenção do Ministério Público, tendo em vista tratar-se de matéria de interesse público ou social (art. 178, inciso I do Código de Processo Civil).

Assim, preenchido todos os requisitos, o juiz declarará, por sentença, o direito de propriedade do usucapiente, a qual será registrada na matrícula do bem no registro de imóveis, ocasião em que o mesmo se torna proprietário do imóvel.


VI.2 – Usucapião Extrajudicial

O novo Código de Processo Civil, em seu art. 1.071, introduziu o art. 216-A na Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que trata do usucapião extrajudicial, procedimento que será feito no cartório de registro de imóveis, em que o interessado deverá ser representado por um advogado, assim como no processo judicial.

Além das requisitos legais (posse mansa, pacífica e ininterrupta; e sem oposição), o interessado deverá apresentar um rol de documentos que instruirão o procedimento administrativo, elencados no art. 216-A da Lei de Registros Públicos:

Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: 

I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias; 

II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; 

III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; 

IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. 

O requerimento do usucapião será autuado pelo oficial registrador do cartório, sendo que o prazo da prenotação do pedido poderá ser prorrogado até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

Caso a planta do imóvel não contenha a assinatura de qualquer dos titulares de direitos reais ou outros direitos averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e dos imóveis confinantes, eles serão notificados pelo cartório pessoalmente ou por correio para que manifestem seu consentimento de forma expressa (documental) no prazo de 15 dias, sendo que o silêncio dos mesmos será considerado como discordância do procedimento de usucapião.

Aqui, a nosso ver, existe um problema, porque a lei, em geral, interpreta o silêncio como concordância. No entanto, no caso em tela, a interpretação é dada como discordância, levando ao não acolhimento do procedimento.

Assim, entendemos que, caso haja silêncio por parte de alguns dos proprietários dos imóveis confinantes ou daqueles que possuam direitos sobre o imóvel, a saída será o usucapião via judicial, nos termos do art. 1.071 do CPC c/c o art. 216-A, § 9º da Lei 6.015/73.

A União, Estados, Distrito Federal e Municípios serão cientificados pessoalmente ou por correios (carta com AR) para, querendo, se manifestarem no prazo de 15 dias sobre o procedimento. O silêncio, nesse caso, será interpretado como concordância.

O oficial do registro de imóveis publicará edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros que, eventualmente se interessem no pedido de usucapião, os quais poderão se manifestar também em 15 dias. 

Dessa forma, findo os 15 dias sem qualquer manifestação de terceiros interessados e sem pendência de diligências, bem como achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial do registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas pelo interessado, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. 

Da decisão de acolhimento ou rejeição do pedido de usucapião é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos da lei. 

Por fim, se houver impugnação do pedido de reconhecimento do usucapião extrajudicial, apresentada por qualquer daqueles titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, ou por algum dos entes públicos ou ainda por algum terceiro interessado, o oficial do registro de imóveis remeterá o processo administrativo ao juízo competente da comarca da situação do imóvel (hipótese em que o processo agora se tornará judicial), cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum. 


VII – Considerações finais

Como vimos, são várias as modalidades de usucapião, cada uma direcionada para atender uma finalidade. Porém, é inafastável a ideia de que o instituto do usucapião tem como regra geral a finalidade de cunho social, não só como promessa de um direito à moradia (garantia constitucional), como também a destinação social do imóvel.

Existem casos que não podem ser objeto de usucapião, porém, existem exceções à regra, que podem ser discutidas em outro artigo, tendo em vista a dimensão da matéria.

Agora, com estas informações, veja em qual situação você se encaixa e escolha o procedimento a ser adotado. Aconselhamos que antes consulte um advogado para melhor lhe orientar em todo o processo.

Um abraço.

Glaiton.





quarta-feira, 5 de abril de 2017

A construção e sua relação com os imóveis vizinhos

Toda construção deve respeitar as normas técnicas e as leis municipais (limitações de ordem pública). Porém, as regras de construção vão além disso, ou seja, toda construção deve obedecer certas normas de direito civil que buscam proteger a privacidade e o patrimônio dos proprietários de imóveis vizinhos (limitações de ordem privada).



Nesse sentido, vale trazer os ensinamentos do jurista Carlos Roberto Gonçalves, que faz a distinção entre as limitações de ordem pública e as limitações de ordem privada:

As limitações de ordem pública são impostas pelos regulamentos administrativos e geralmente integram os códigos de posturas municipais. Têm em vista considerações de caráter urbanístico, como altura dos prédios e zoneamento das construções conforme a finalidade, impedindo a construção de edifícios de grande porte e de fábricas em bairros residenciais, bem como considerações relacionadas à segurança, higiene e estrutura dos prédios.

Já as limitações de direito privado constituem as restrições de vizinhança, consignadas em normas civis ou resultantes de convenções particulares. Assim, por exemplo, “não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos” suscetíveis de produzir interferências prejudiciais ao vizinho (CC, 1.308), nem construir de maneira que o seu prédio “despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho” (art. 1.300).”

(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 347.)

Assim, no presente artigo, iremos tratar das limitações de ordem privada. O Código Civil, traz um capítulo que fala do direito de vizinhança, contendo especialmente uma seção que trata do direito de construir, arts. 1.299 à 1.313.

É sabido que a construção civil é uma das áreas que mais cresce no país, apesar da crise financeira. Em consequência disso, inúmeros são os casos de problemas com imóveis vizinhos, principalmente, os lindeiros.

Os problemas são os mais variados, tais como: infiltrações, rachaduras na parede, falta de iluminação e ventilação, falta de privacidade, etc, levando os proprietários prejudicados a entrar na justiça com ações que visam impedir o término da construção e, muitas vezes, a sua demolição total ou parcial, dependendo do quanto a parte construída afetou o imóvel vizinho.

Dessa forma, vejamos algumas regras determinadas pelo Código Civil acerca das construções:


I – Escoamento de água e aberturas na construção

- O proprietário deverá construir de maneira que o seu prédio não despeje águas diretamente sobre o prédio vizinho;

- É proibido abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho;

- As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros, salvo as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso;

- Em caso de construção na zona rural, é proibido construir a menos de três metros do terreno vizinho.

Mesmo após a conclusão da obra, o proprietário de imóvel prejudicado em face da construção poderá exigir que seja demolida a obra até o prazo de um ano e meio da finalização, sendo que, após esse prazo, não poderá dificultar o escoamento de água da referida obra, de modo que cause prejuízo a seu dono.

No que tange às aberturas, sentindo-se prejudicado, poderá o proprietário levantar contramuro a altura que lhe garanta a privacidade, ainda que vede a claridade para o imóvel construído.


II – Paredes divisórias

O Código Civil trata de três situações de divisões por paredes de imóveis, quais sejam, quando os dois imóveis possuem paredes (alinhadas), quando apenas um imóvel possui parede e quando os imóveis são divididos pela mesma parede (parede-meia), muito comum em casas germinadas.


II.1 – paredes alinhadas

No caso de imóveis alinhados, ou seja, não há distância entre as paredes (muito comum nos centros urbanos) a construção poderá ser madeirada, travejada, sobre a parede do imóvel do vizinho, mas nesse caso o dono da obra deverá indenizá-lo no valor correspondente à metade da parede e do chão correspondentes.


II.2 – apenas um vizinho possui parede

Esse vizinho, que já havia construído primeiro, tem o mesmo direito acima, ainda que tenha construído a parede divisória até meia espessura do terreno da obra nova.

Veja-se a previsão do art. 1.305, caput, do Código Civil:

Art. 1.305. O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce.

Na situação de a parede divisória pertencer a apenas um vizinho, o dono da obra, para construir o alicerce ao pé da parede daquele, deverá lhe alcançar uma caução devido ao risco que a obra poderá causar ao imóvel vizinho.

Vide o parágrafo do art. 1.305 do Código Civil:

Parágrafo único. Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior.


II.3 – parede comum aos dois imóveis (parede-meia)

Essa pode ser a situação mais desvantajosa para ambos vizinhos, pois, a sua alteração poderá trazer riscos comuns aos dois lados.

A lei Civil diz que cada um poderá usar a parede-meia até a metade da espessura, desde que não coloque em risco a segurança do vizinho ou prejudique a separação dos prédios, isto porque poderá atingir-se também a privacidade alheia.

Sempre que um for realizar alguma obra ou reparo, deverá avisar previamente o outro, e ainda ter sua autorização se quiser fazer na parede armários ou algo parecido, ou que já tenham sido feitos do lado oposto da parede, o que é extremamente perigoso para a estrutura de ambos os prédios.

Também não se pode encostar na parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho, com exceção das chaminés ordinárias e dos fogões de cozinha.

Caso um dos vizinhos resolva altear (aumentar a altura) a parede divisória, deverá suportar todas as despesas, inclusive de conservação, salvo se a mesma parede aproveitar o outro vizinho, caso em que as despesas serão divididas.


III – Poços e nascentes

- são proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes;

- também são proibidas escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais. Aqui, a água poderá ser do vizinho lindeiro ou de terceiro;

- é proibida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, salvo se, anteriormente, tiverem sido feitas as obras acautelatórias. 

Importante frisar que as obras acautelatórias não impedem o dono da obra ser obrigado a demolir a construção, além de indenizar seu vizinho, caso venha ocorrer algum dano ou prejuízo:

Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos.


IV – Uso do imóvel vizinho

Praticamente, todos os casos de obras e construções necessitam do espaço do imóvel vizinho para a sua consecução. E isso cria, muitas vezes, um mal estar entre os vizinhos, seja porque não tem boa relação, seja porque não se conhecem.

No entanto, a fim de resguardar tanto o direito a privacidade do vizinho da obra, como o direito de uso do proprietário da obra, o Código Civil estipulou algumas regras, estas estampadas no art. 1.313 e seus parágrafos:

Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para:

I - dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;

II - apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente.

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.

§ 2º Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.

§ 3º Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano, terá o prejudicado direito a ressarcimento.


Considerações finais

Dessa forma, vimos que a legislação civil cuidou de regrar as relações do direito de vizinhança, dentre outros, o direito de construir, estabelecendo, portanto, as limitações de ordem privada, que tratam de quatro situações.

Não podemos esquecer que existem outras normas, também reguladas pelo Código Civil e por legislação específica, quando se trata de condomínio, o que será abordado em outra ocasião.

A dica que fica é que, antes de iniciar qualquer obra, construção ou reparo em imóvel já existente, é prudente que o executor da obra procure seu vizinho e esclareça tudo o que pretende fazer, mostrando a ele, se for o caso, a planta da obra, as autorizações legais, o responsável técnico, etc, até mesmo para estabelecer uma relação de confiança com o vizinho, tranquilizando-o no sentido de que não haverá, em princípio, qualquer risco para o seu imóvel.

Assim, em caso de algum problema, tudo fica mais fácil de se resolver, já que houvera um diálogo inicial sobre o assunto entre as partes, evitando-se processos judiciais e medidas liminares que possam impor o desfazimento imediato da obra, sem prejuízo de indenização ao vizinho prejudicado.

Um abraço

Glaiton.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A penhorabilidade do bem de família do fiador de aluguel

Um tema polêmico, que foi amplamente discutido, durante muito tempo, foi a questão da penhorabilidade ou da impenhorabilidade do único imóvel pertencente à fiador de aluguel. 



Sabe-se que na situação de a pessoa possuir um único bem imóvel que seja sua residência, a própria lei da impenhorabilidade (8.009/90) reconhece, em seu art. 1º, como bem de família. 

Vejamos o texto legal: 

"Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados."

No entanto, o art. 3º da mesma lei traz uma lista de exceções à regra, dentre eles, à do fiador de aluguel. 

Vejamos o que diz no artigo 3º:

"Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...) 

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."

Contudo, durante as execuções judiciais decorrentes de dívida locatícia, levantaram-se enormes discussões sobre a penhorabilidade do único imóvel do fiador, já que, à luz do artigo 1º da referida lei, era impenhorável. 

Dessa forma, no intuito de por termo à esse debate, diante de inúmeros recursos repetitivos, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, uniformizou entendimento de que, no caso de fiança, apesar de ser o único bem do fiador, é passível de penhora. 

Veja-se o julgamento abaixo: 

DIREITO CIVIL. PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA PERTENCENTE A FIADOR. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). 

É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990. A Lei 8.009/1990 institui a proteção legal do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da entidade familiar e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna. Nos termos do art. 1º da Lei 8.009/1990, o bem imóvel destinado à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no art. 3º da aludida norma. Nessa linha, o art. 3º excetua, em seu inciso VII, a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, isto é, autoriza a constrição de imóvel - considerado bem de família - de propriedade do fiador de contrato locatício. Convém ressaltar que o STF assentou a constitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990 em face do art. 6º da CF, que, a partir da edição da Emenda Constitucional 26/2000, incluiu o direito à moradia no rol dos direitos sociais (RE 407.688-AC, Tribunal Pleno, DJ 6/10/2006 e RE 612.360-RG, Tribunal Pleno, DJe 3/9/2010). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.347.068-SP, Terceira Turma, DJe 15/9/2014; AgRg no AREsp 151.216-SP, Terceira Turma, DJe 2/8/2012; AgRg no AREsp 31.070-SP, Quarta Turma, DJe 25/10/2011; e AgRg no Ag 1.181.586-PR, Quarta Turma, DJe 12/4/2011. REsp 1.363.368-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/11/2014. 

Em sendo assim, é aconselhável àquele que vai servir como fiador de aluguel, tomar todas as precauções antes de aceitar a garantia, dentre elas: 

- averiguar se o locatário possui realmente condições de pagar o preço da locação, o ideal é que o mesmo perceba, no mínimo, três vezes o valor do aluguel; 

- verificar se o locatário possui outros bens que possam garantir uma futura execução; 

- solicitar ao locatário certidões negativas de débitos junto a órgãos de restrição de crédito, como, por exemplo, SPC, SERASA, etc; 

- investigar se o locatário possui algum processo cível de cobrança ou execução decorrente de outras obrigações, inclusive, de aluguel. 

É bastante recomendável que o locatário seja pessoa conhecida, o que provavelmente é de fácil constatação as suas condições para a locação de um imóvel. 

Por fim, evitar sempre ser fiador de contrato de locação com o fim de auferir renda, o chamado “fiador profissional” ou “fiador de aluguel”, pois, além de ser uma prática ilícita, poderá trazer outros prejuízos além da perda do imóvel. 

Essas dicas por si só não se exaurem, cabendo ao futuro fiador se assegurar, por todos os meios, de que poderá garantir o locatário sem comprometer seu único patrimônio.

Um abraço.

Glaiton.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Rescisão e resolução de contrato de compra e venda por inadimplência do comprador

Um dos negócios jurídicos mais realizados pelo direito civil é a compra e venda. No caso, iremos abordar sobre a compra e venda de bem imóvel. 

Não diferente dos demais contratos, deve sempre rezar uma cláusula que põe termo à negociação, em caso de descumprimento por uma das partes, muito embora, conste expresso ser tal negócio irrenunciável e irretratável. Trata-se da cláusula resolutiva. 


Aqui faremos uma análise da rescisão ou resolução do contrato pelo descumprimento pelo comprador, ou seja, quando o mesmo deixa de cumprir a sua parte que é o pagamento. 

Regra geral, o comprador, quando deixa de cumprir a obrigação, já está na posse do bem, obrigando o vendedor a procurar seus direitos via judicial. Enquanto isso, aquele segue usufruindo do bem, sem pagar nada ao proprietário vendedor. 

Por isso, conforme veremos a seguir, o STJ tem decidido que, além da cláusula penal é possível a cobrança de indenização pelos dias em que o comprador inadimplente ficou na posse do imóvel, usufruindo-o. 


Da mora 

Antes de entrar na discussão do contrato propriamente dito, iremos analisar em que momento o comprador se torna inadimplente para fins legais, dando direito ao vendedor, ora credor, de cobrar o cumprimento da obrigação pelo devedor. 

Pode ser convencionado no contrato que a obrigação poderá ser em anos, meses, dias ou até horas, tudo conforme a vontade das partes. 

Assim, o divisor de águas é o momento em que termina o prazo expresso no contrato para cumprimento da obrigação. 

Voltando para o contrato de compra e venda, as pessoas costumam contratar o pagamento em determinada data. Passando-se a data, o devedor da obrigação, no caso, o comprador, constitui-se em mora, conforme estabelece os arts. 394 e 397 do Código Civil: 

Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer. 
(...) 

Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor. 

Portanto, a partir do outro dia, poderá o vendedor exigir o pagamento pelo comprador do imóvel, além do que, já não será o valor constante no contrato, pois, para que o vendedor não fique prejudicado, tal valor terá juros e correção monetária. 

Vide o art. 406 do Código Civil: 

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. 


Da cláusula penal 

É permitido por lei estabelecer uma cláusula penal no contrato de compra e venda. Esta penalidade tem o fito de causar desvantagem ao devedor, já que, ao não cumprir sua parte no contrato, restou por prejudicar a outra parte, no caso, o vendedor. Veja-se o art. 408 do Código Civil: 

Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora. 

Além disso, serve a cláusula penal para homenagear o princípio da boa-fé contratual, expressa no art. 422 do mesmo diploma legal. 


Das perdas e danos 

Além da cláusula penal, aquele que for prejudicado no negócio, tem direito de pedir ao agente do dano indenização pelo prejuízo sofrido, conforme art. 402 do referido código: 

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. 

Veja-se que, além dos prejuízos, a lei possibilita ao credor buscar a reparação do que deixou de lucrar, ou seja, dos lucros cessantes. 


Da rescisão do contrato

A rescisão opera-se quando não há qualquer pagamento sobre a coisa, ou seja, o comprador não alcançou ao vendedor qualquer valor para pagamento do bem. Isso ocorre, por exemplo, numa compra e venda à vista, em que o vendedor dá um prazo ao comprador para o pagamento do valor do imóvel.

Desse modo, estando o comprador já na posse do bem, deverá este entregar ao seu proprietário, desfazendo-se o negócio, e retornando a situação anterior, como se a compra e venda jamais tivesse acontecido. Porém, poderá o vendedor exigir indenização por perdas e danos, além da cláusula penal, como veremos adiante.

Ainda, se o comprador negar-se de sair do imóvel, terá o vendedor que entrar com ação possessória para reintegrar-se na posse do bem, nesse caso, também é lícito ao vendedor exigir as penalidades acima citadas contra o comprador.


Da resolução do contrato 

Já a resolução ocorre quando torna-se impossível o desfazimento do negócio de modo que volte a situação anterior, isso porque já houve parte do pagamento pelo comprador, e que, muitas vezes, o vendedor acabou gastando o dinheiro, não tendo como devolver ao comprador.

Também é caso de resolução quando ocorre o adimplemento substancial do contrato, isto é, em caso de pagamento parcelado, o comprador quitou quase todas as parcelas devidas, restando uma ou poucas, e, assim como no exemplo acima, o vendedor não possui todo o valor para devolver ao comprador.

Assim, no caso de o comprador descumprir a sua obrigação, isto é, quando ocorre a quebra de contrato, o credor poderá exigir que o mesmo cumpra o contratado ou exigir uma indenização a título de perdas e danos, conforme artigo abaixo mencionado. 

Vejamos o texto legal: 

Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. 

Aqui é importante salientar que, no caso de pagamento parcelado, se houver inadimplemento de alguma ou algumas parcelas, o contrato poderá vencer por antecipação, isto é, todas as parcelas restantes vencem ao mesmo tempo, obrigando o devedor a quitar o saldo total da dívida.


Da cumulação da cláusula penal com perdas e danos 

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que no caso de compra e venda, é possível ao credor exigir do comprador, além do valor correspondente à cláusula penal, uma indenização pelo uso e fruição do bem. 

Isso porque não é justo que o comprador fique morando no imóvel gratuitamente até que o vendedor consiga retomar o bem para si, o que, ao ver da lei, caracteriza o enriquecimento ilícito, forte no art. 884 do Código Civil. 

Dessa forma, apreciemos o entendimento do egrégio STJ: 

Ementa AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. PERDAS E DANOS - COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - INADIMPLEMENTO DO COMPRADOR - CLÁUSULA PENAL - TAXA DE FRUIÇÃO - CUMULAÇÃO - POSSIBILIDADE. 

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a multa prevista pela cláusula penal não deve ser confundida com a indenização por perdas e danos pela fruição do imóvel, que é legítima e não tem caráter abusivo quando há uso e gozo do imóvel. 

Precedentes. 

2. Agravo regimental não provido. 

(AgRg no REsp 1285565 / MS, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 011/0238595-5, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, Data do Julgamento 01/10/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 08/10/2015). 


Disposições Finais 

Diante do entendimento acima colacionado podemos concluir que, no caso da compra e venda de bem imóvel, o comprador que não quitou o imóvel e que ficou morando no bem até a retomada do mesmo pelo vendedor deverá pagar duas indenizações, uma pela quebra de contrato, e outra como se fosse um aluguel pelo tempo que usufruiu do imóvel. 

Então uma não pode ser confundida com outra, apesar de parecer uma dupla penalidade para uma única causa. Analisando-se bem, não se trata da mesma causa, por esse motivo o Superior Tribunal de Justiça chegou a esse julgado.

Destarte, para segurança do vendedor, deverá o mesmo convencionar cláusula no contrato de compra e venda prevendo a cláusula penal, perdas e danos e as hipóteses de resolução ou rescisão contratual.

Um abraço.

Glaiton.

quarta-feira, 8 de março de 2017

Contratos Agrários Típicos (Arrendamento e Parceria Rural)

O assunto sobre os contratos agrários parece ser pouco tratado, haja vista a ênfase dada às relações jurídicas desenvolvidas na zona urbana. No entanto, é um tema de suma importância, já que a produção agrícola, por exemplo, de arroz, milho, soja e outros, movimenta grande parte da economia nacional. E por que não falar na pecuária, com a criação de bovinos e outros animais.

Nesse universo existem incontáveis relações jurídicas entre produtores e proprietários de terras, sendo que, em peso, revelam acordo de vontades, sendo, portanto, relações contratuais, que estabelecem direitos e obrigações às partes.

Assim como todo contrato, as partes devem preencher alguns requisitos legais, como aqueles previstos no art. 104 do Código Civil (capacidade jurídica dos contraentes, licitude do objeto contratual e forma prescrita ou não proibida por lei), além de outros específicos para determinado negócio.


Os contratos agrários previstos na lei (típicos) são o de arrendamento e parceria rural, que tem por escopo a posse e/ou o uso temporário de determinada área rural, negócio que se dá entre o proprietário da terra e aquele que vai exercer atividade agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, conforme dispõe o Estatuto da Terra, Lei 4.504/64, em seu art. 92 e art. 13 da Lei 4.947/66. Aqueles não previstos em lei são considerados atípicos, como, por exemplo, comodato, empreitada, etc., mas vamos nos ater apenas nos contratos típicos.

Nesse viés, reza o art. 1º do Decreto 59.566/66: 

"Art 1º O arrendamento e a parceria são contratos agrários que a lei reconhece, para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre o proprietário, quem detenha a posse ou tenha a livre administração de um imóvel rural, e aquêle que nela exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista (art. 92 da Lei nº 4.504 de 30 de novembro de 1964 - Estatuto da Terra - e art. 13 da Lei nº 4.947 de 6 de abril de 1966)."

Além disso, dispõe o referido Decreto que todos os contratos celebrados no território nacional serão regidos pelo seu regulamento, além do que, são irrenunciáveis os direitos e vantagens nele instituídos. E mais, qualquer cláusula que contrarie as regras e princípios ali dispostos, será nula de pleno direito e sem efeito.

Conforme o art. 11 do Decreto 59.566/66, o contrato pode ser escrito ou verbal. Se for verbal, presumir-se-ão ajustadas as cláusulas do art. 13 do referido decreto. Caso seja escrito, deverá conter: 

1) Lugar e data da assinatura do contrato;

2) Nome completo e endereço dos contratantes;

3) Características do arrendador ou do parceiro-outorgante (espécie, capital registrado e data da constituição, se pessoa jurídica, e, tipo e número de registro do documento de identidade, nacionalidade e estado civil, se pessoa física e sua qualidade (proprietário, usufrutuário, usuário ou possuidor);

4) Característica do arrendatário ou do parceiro-outorgado (pessoa física ou conjunto família);

5) Objeto do contrato (arrendamento ou parceria), tipo de atividade de exploração e destinação do imóvel ou dos bens;

6) Identificação do imóvel e número do seu registro no Cadastro de imóveis rurais do IBRA (constante do Recibo de Entrega da Declaração, do Certificado de Cadastro e do Recibo do Imposto Territorial Rural);

7) Descrição da gleba (localização no imóvel, limites e confrontações e área em hectares e fração), enumeração das benfeitorias (inclusive edificações e instalações), dos equipamentos especiais, dos veículos, máquinas, implementos e animais de trabalho e, ainda, dos demais bens e ou facilidades com que concorre o arrendador ou o parceiro-outorgante;

8) Prazo de duração, preço do arrendamento ou condições de partilha dos frutos, produtos ou lucros havidos, com expressa menção dos modos, formas e épocas desse pagamento ou partilha;

9) Cláusulas obrigatórias com as condições enumeradas no art. 13 do presente Regulamento, nos arts. 93 a 96 do Estatuto da Terra e no art. 13 da Lei 4.947-66;

10) Foro do contrato;

11) Assinatura dos contratantes ou de pessoa a seu rogo e de 4 (quatro) testemunhas idôneas, se analfabetos ou não poderem assinar.




É o negócio jurídico celebrado entre o proprietário (arrendador), o qual cede, no todo ou em parte, o uso e gozo de terra rural a outra pessoa (arrendatário), que explorará atividade econômica agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa ou mista, por prazo certo ou indeterminado, por preço certo e previamente ajustado.

Conforme ainda estabelece o art. 3º do Decreto 59.566/66, dentro da terra arrendada, poderão incluir-se bens, benfeitorias e facilidades, a fim de que se possa desenvolver as atividades acima elencadas.


I.1 – Espécies de Arrendamento

Arrendamento agrícola: destinado ao cultivo de espécies vegetais;

- Arrendamento pecuário: destinado à criação, recriação, invernação ou terminação de animais;

- Arrendamento agroindustrial: destina-se ao beneficiamento de produtos agrícolas, pecuários ou vegetais, onde as instalações são de propriedade do arrendador ou este seja seu legítimo possuidor;

- Arrendamento de extração: para o fim de extração de espécimes florestais nativas, animais ou agrícolas de propriedade do arrendador;

- Arrendamento misto: quando houver mais de uma modalidade de arrendamento.


I.2 – Direitos e deveres do arrendador e do arrendatário

- Direitos do arrendatário: preferência na aquisição do imóvel nas mesmas condições com terceiros, ou, não sendo notificado, poderá reaver o imóvel para si se depositar o valor da venda ao terceiro dentro de seis meses da data da escritura de compra e venda; irrenunciabilidade dos direitos garantidos pela lei, indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias com direito de retenção do imóvel. Basicamente, os mesmos direitos no caso de aluguel de imóvel urbano;

- Deveres do arrendatário: pagar pontualmente o arrendamento, respeitando preço, local e prazos ajustados, cuidar da terra como se sua fosse, levar ao conhecimento do arrendador qualquer ameaça ou ato de turbação ou esbulho que venha sofrer, fazer as benfeitorias úteis e necessárias que garantam o uso da terra e devolver o imóvel com seus acessórios no mesmo estado em que recebeu.

- Direitos do arrendador: reaver o imóvel nas mesmas condições que entregou ao arrendatário, opor-se a cortes ou podas feitas pelo arrendatário se causarem danos aos fins florestais ou agrícolas a que se destina o contrato.

- Deveres do arrendador: entregar o imóvel ao arrendatário na data estabelecida ou segundo os usos e costumes da região, garantir ao arrendatário o uso e gozo da terra dentro do prazo do contrato, fazer obras e reparos necessários e pagar as taxas e impostos do imóvel, podendo ser convencionada outra forma.


I. 3 – Prazos de arrendamento

Se não houver previsão contratual, ou seja, o prazo for indeterminado, este contará como três anos, conforme prescreve o art. 21 do Decreto 59.566/66.

Para contratos de arrendamento com prazo superior a dez anos, é necessária a outorga do cônjuge do arrendador.

Caso o prazo estipulado no contrato não seja suficiente para o arrendatário realizar a colheita, deverá estipular um aditamento do prazo contratual com o arrendador, ou, na negativa deste, buscar judicialmente, pois trata-se de direito indisponível pela lei.


I.4 - Extinção do contrato

As causas de extinção do arrendamento são: término do prazo do contrato, retomada pelo arrendador ou terceiro, aquisição pelo arrendatário, rescisão contratual, resolução ou extinção do direito do arrendador, força maior, sentença judicial irrecorrível, perda do imóvel rural, desapropriação total ou parcial e qualquer outra causa prevista em lei.




É o contrato agrário em que as partes somam suas forças com uma finalidade em comum, portanto, possui caráter societário. De um lado, o proprietário ou usufrutuário da terra, denominado outorgante, e, de outro, aquele que trabalhará a terra, ou seja, entra com a mão de obra, denominado outorgado.

As finalidades são as mesmas do arrendamento rural (exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista). A diferença está no fato de que, ambas as partes vão partilhar o lucro obtido desta relação, participando também dos riscos do negócio.

Com efeito, a participação do proprietário da terra (outorgante) não será, necessariamente, igualitária com o outorgado, ou seja, de 50%, dependerá, pois, de algumas condições. Tal cota parte do outorgante poderá variar entre 10 e 75%, conforme os casos elencados abaixo:

a) 10% (dez por cento) quando concorrer apenas com a terra nua;

b) 20% (vinte por cento) quando concorrer com a terra preparada e moradia;

c) 30% (trinta por cento) caso concorra com o conjunto básico de benfeitorias, constituído especialmente de casa de moradia, galpões, banheiro para gado, cercas, valas ou currais, conforme o caso;

d) 50% (cinquenta por cento), caso concorra com a terra preparada e o conjunto básico de benfeitorias enumeradas no inciso III, e mais o fornecimento de máquinas e implementos agrícolas, para atender aos tratos culturais, bem como as sementes e animais de tração e, no caso de parceria pecuária, com animais de cria em proporção superior a 50% (cinquenta por cento) do número total de cabeças objeto da parceria;

e) 75% (setenta e cinco por cento), nas zonas de pecuária ultraextensiva, em que forem os animais de cria em proporção superior a 25% (vinte e cinto por cento) do rebanho onde se adotem a meação do leite e a comissão mínima de 5% (cinco por cento) por animal vendido.


II.1 - Espécies de Parceria

a) agrícola: quando o objeto for o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, com o objetivo de nele ser exercida a atividade de produção vegetal;

b) pecuária: quando o objetivo da cessão forem animais para cria, recria, invernagem ou engorda;

c) agroindustrial: quando o objeto do contrato for o uso do imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, ou maquinaria e implementos, com o objetivo de ser exercida atividade de transformação de produto agrícola, pecuário ou florestal;

d) extrativa: quando o objeto da parceria for o uso de imóvel rural, de parte ou partes do mesmo, e ou animais de qualquer espécie, com o objetivo de ser exercida atividade extrativa de produto agrícola, animal ou florestal;

e) mista: quando o objeto da cessão abranger mais de uma das modalidades de parceria definidas nos incisos anteriores.


II.2 – Peculiaridades da parceria rural

A lei determina que o outorgante poderá cobrar do parceiro-outorgado, pelo seu preço de custo, o valor dos fertilizantes e inseticidas fornecidos no percentual correspondente a sua participação, conforme os casos elencados no item II. Em outros casos não elencados no item II, a cota do outorgante será, no máximo, de dez por cento (10%) das benfeitorias ou dos bens colocados à disposição do outorgado.

Nos contratos de parceria rural não poderão constar cláusulas de participação em percentuais distintos dos acima elencados. Se isso ocorrer, poderá o parceiro prejudicado buscar a adequação dos percentuais em juízo. 


II.2.1 – Rescisão do contrato

Havendo perda total do objeto do contrato em decorrência de força maior, como por exemplo, eventos da natureza, o contrato fica rescindido, ficando as partes livres de qualquer responsabilidade por perdas e danos. Caso a perda seja parcial, os prejuízos serão repartidos, na proporção de cada parceiro.


II.2.2 – Caracterização do vínculo empregatício

O parágrafo único do art. 96 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) diz que, se houver pagamento ao outorgado, parte em dinheiro e parte em lavoura, não se trata de parceria e sim de relação de emprego, regulada na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

Reza o referido dispositivo:

Parágrafo único. Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte percentual na lavoura cultivada, ou gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário-mínimo no cômputo das duas parcelas."

Conforme se depreende do texto legal acima, o valor total do dinheiro pago mais a participação na lavoura não pode ser inferior ao salário mínimo.

Também é importante frisar que a referida “direção nos trabalhos, mediante inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário” carrega os requisitos da relação de emprego, quais sejam, a subordinação e a pessoalidade, além da não-eventualidade e do próprio pagamento pelo serviço (onerosidade).


II.2.3 – Prazo

Se as partes não determinarem o prazo da parceria, será considerado o de três anos. Durante este período ou o contratado pelos parceiros, a qualquer tempo, eles podem convencionar transformar o contrato de parceria rural em arrendamento.


III – Considerações finais

Os contratos agrários possuem peculiaridades não presentes nos contratos de imóveis urbanos. No entanto, as relações, em alguns casos, são bem parecidas. Assim como todo contrato, ele é bilateral, estabelecendo direitos e obrigações aos contratantes.

A liberdade de contratar também está presente nestes contratos, assim como outros princípios, por exemplo, a boa-fé contratual objetiva, a lealdade, etc. Nesse sentido, vimos o caso em que é possível transformar a relação jurídica de parceria para arrendamento se assim for melhor para as partes. Também é possível às partes convencionarem outros contratos não previstos em legislação específica, os chamados contratos atípicos.

Em contrapartida, a lei regula dois tipos de contratos, de arrendamento e parceria, especificando-os, além de estabelecer condições e limites. O não cumprimento poderá acarretar a nulidade das cláusulas, a rescisão contratual, e até mesmo gerar perdas e danos.

Estão amparados por legislação específica, Lei 4.504/64 – Estatuto da Terra, Decreto-Lei 59.566/66 – Regulamento o Estatuto da Terra e Lei 4.947/66 – Regulamenta o direito agrário. No entanto, na omissão destas normas, aplicável, subsidiariamente, o Código Civil, Código de Processo Civil e outras normas pertinentes.

Por se tratar de relação entre pessoas que moram no campo, como de costume, costumavam e talvez até hoje costumam, convencionar de forma verbal, a própria lei se encarregou de “decidir” o que de direito em algumas situações, como prazos, porcentagens, etc.

Dessa forma, entendemos que, com o avanço da tecnologia e do acesso à informação, os contratos agrários devem ser feitos de forma escrita (expressa), assinada pelas partes e por duas testemunhas, para que produza seus legais e jurídicos efeitos, e, principalmente, atendendo ao que dispõe a legislação.

Um forte abraço!

Glaiton.