Toda construção deve respeitar as normas técnicas e as leis municipais (limitações de ordem pública). Porém, as regras de construção vão além disso, ou seja, toda construção deve obedecer certas normas de direito civil que buscam proteger a privacidade e o patrimônio dos proprietários de imóveis vizinhos (limitações de ordem privada).
Nesse sentido, vale trazer os ensinamentos do jurista Carlos Roberto Gonçalves, que faz a distinção entre as limitações de ordem pública e as limitações de ordem privada:
“As limitações de ordem pública são impostas pelos regulamentos administrativos e geralmente integram os códigos de posturas municipais. Têm em vista considerações de caráter urbanístico, como altura dos prédios e zoneamento das construções conforme a finalidade, impedindo a construção de edifícios de grande porte e de fábricas em bairros residenciais, bem como considerações relacionadas à segurança, higiene e estrutura dos prédios.
Já as limitações de direito privado constituem as restrições de vizinhança, consignadas em normas civis ou resultantes de convenções particulares. Assim, por exemplo, “não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos” suscetíveis de produzir interferências prejudiciais ao vizinho (CC, 1.308), nem construir de maneira que o seu prédio “despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho” (art. 1.300).”
(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 347.)
Assim, no presente artigo, iremos tratar das limitações de ordem privada. O Código Civil, traz um capítulo que fala do direito de vizinhança, contendo especialmente uma seção que trata do direito de construir, arts. 1.299 à 1.313.
É sabido que a construção civil é uma das áreas que mais cresce no país, apesar da crise financeira. Em consequência disso, inúmeros são os casos de problemas com imóveis vizinhos, principalmente, os lindeiros.
Os problemas são os mais variados, tais como: infiltrações, rachaduras na parede, falta de iluminação e ventilação, falta de privacidade, etc, levando os proprietários prejudicados a entrar na justiça com ações que visam impedir o término da construção e, muitas vezes, a sua demolição total ou parcial, dependendo do quanto a parte construída afetou o imóvel vizinho.
Dessa forma, vejamos algumas regras determinadas pelo Código Civil acerca das construções:
I – Escoamento de água e aberturas na construção
- O proprietário deverá construir de maneira que o seu prédio não despeje águas diretamente sobre o prédio vizinho;
- É proibido abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho;
- As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros, salvo as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso;
- Em caso de construção na zona rural, é proibido construir a menos de três metros do terreno vizinho.
Mesmo após a conclusão da obra, o proprietário de imóvel prejudicado em face da construção poderá exigir que seja demolida a obra até o prazo de um ano e meio da finalização, sendo que, após esse prazo, não poderá dificultar o escoamento de água da referida obra, de modo que cause prejuízo a seu dono.
No que tange às aberturas, sentindo-se prejudicado, poderá o proprietário levantar contramuro a altura que lhe garanta a privacidade, ainda que vede a claridade para o imóvel construído.
II – Paredes divisórias
O Código Civil trata de três situações de divisões por paredes de imóveis, quais sejam, quando os dois imóveis possuem paredes (alinhadas), quando apenas um imóvel possui parede e quando os imóveis são divididos pela mesma parede (parede-meia), muito comum em casas germinadas.
II.1 – paredes alinhadas
No caso de imóveis alinhados, ou seja, não há distância entre as paredes (muito comum nos centros urbanos) a construção poderá ser madeirada, travejada, sobre a parede do imóvel do vizinho, mas nesse caso o dono da obra deverá indenizá-lo no valor correspondente à metade da parede e do chão correspondentes.
II.2 – apenas um vizinho possui parede
Esse vizinho, que já havia construído primeiro, tem o mesmo direito acima, ainda que tenha construído a parede divisória até meia espessura do terreno da obra nova.
Veja-se a previsão do art. 1.305, caput, do Código Civil:
Art. 1.305. O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce.
Na situação de a parede divisória pertencer a apenas um vizinho, o dono da obra, para construir o alicerce ao pé da parede daquele, deverá lhe alcançar uma caução devido ao risco que a obra poderá causar ao imóvel vizinho.
Vide o parágrafo do art. 1.305 do Código Civil:
Parágrafo único. Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior.
II.3 – parede comum aos dois imóveis (parede-meia)
Essa pode ser a situação mais desvantajosa para ambos vizinhos, pois, a sua alteração poderá trazer riscos comuns aos dois lados.
A lei Civil diz que cada um poderá usar a parede-meia até a metade da espessura, desde que não coloque em risco a segurança do vizinho ou prejudique a separação dos prédios, isto porque poderá atingir-se também a privacidade alheia.
Sempre que um for realizar alguma obra ou reparo, deverá avisar previamente o outro, e ainda ter sua autorização se quiser fazer na parede armários ou algo parecido, ou que já tenham sido feitos do lado oposto da parede, o que é extremamente perigoso para a estrutura de ambos os prédios.
Também não se pode encostar na parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho, com exceção das chaminés ordinárias e dos fogões de cozinha.
Caso um dos vizinhos resolva altear (aumentar a altura) a parede divisória, deverá suportar todas as despesas, inclusive de conservação, salvo se a mesma parede aproveitar o outro vizinho, caso em que as despesas serão divididas.
III – Poços e nascentes
- são proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes;
- também são proibidas escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais. Aqui, a água poderá ser do vizinho lindeiro ou de terceiro;
- é proibida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, salvo se, anteriormente, tiverem sido feitas as obras acautelatórias.
Importante frisar que as obras acautelatórias não impedem o dono da obra ser obrigado a demolir a construção, além de indenizar seu vizinho, caso venha ocorrer algum dano ou prejuízo:
Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos.
IV – Uso do imóvel vizinho
Praticamente, todos os casos de obras e construções necessitam do espaço do imóvel vizinho para a sua consecução. E isso cria, muitas vezes, um mal estar entre os vizinhos, seja porque não tem boa relação, seja porque não se conhecem.
No entanto, a fim de resguardar tanto o direito a privacidade do vizinho da obra, como o direito de uso do proprietário da obra, o Código Civil estipulou algumas regras, estas estampadas no art. 1.313 e seus parágrafos:
Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para:
I - dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;
II - apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente.
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.
§ 2º Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.
§ 3º Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano, terá o prejudicado direito a ressarcimento.
Considerações finais
Dessa forma, vimos que a legislação civil cuidou de regrar as relações do direito de vizinhança, dentre outros, o direito de construir, estabelecendo, portanto, as limitações de ordem privada, que tratam de quatro situações.
Não podemos esquecer que existem outras normas, também reguladas pelo Código Civil e por legislação específica, quando se trata de condomínio, o que será abordado em outra ocasião.
A dica que fica é que, antes de iniciar qualquer obra, construção ou reparo em imóvel já existente, é prudente que o executor da obra procure seu vizinho e esclareça tudo o que pretende fazer, mostrando a ele, se for o caso, a planta da obra, as autorizações legais, o responsável técnico, etc, até mesmo para estabelecer uma relação de confiança com o vizinho, tranquilizando-o no sentido de que não haverá, em princípio, qualquer risco para o seu imóvel.
Assim, em caso de algum problema, tudo fica mais fácil de se resolver, já que houvera um diálogo inicial sobre o assunto entre as partes, evitando-se processos judiciais e medidas liminares que possam impor o desfazimento imediato da obra, sem prejuízo de indenização ao vizinho prejudicado.
Um abraço
Glaiton.
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