terça-feira, 23 de maio de 2017

Diferença entre comodato e mera permissão de uso de bem imóvel

Apesar de parecerem a mesma coisa ou ter singela diferença, o comodato e a mera permissão de uso são formas negociais bem distintas, inclusive no que diz respeito aos seus efeitos jurídicos.

Os dois institutos são alvo de inúmeras ações possessórias que tramitam pelos tribunais país a fora, isso porque um deles advém da posse, e o outro da detenção do bem.



Assim, temos que o comodato transfere a posse direta do bem ao comodatário, assim como a mera permissão de uso caracteriza-se pela detenção do imóvel. Pois bem, vamos discorrer sobre cada uma dessas relações jurídicas.

Como dissemos, o comodato tem a ver com a posse, e a mera permissão de uso com a detenção. Observamos que iremos tratar aqui dos casos em que envolvam apenas particulares, sendo que há casos em que envolvem particulares e pessoas jurídicas de direito público, o que será apreciado em outro tópico. Vejamos a diferença entre posse e detenção na lei.


Posse e detenção

O Código Civil, em seu art. 1.196, diz que:

Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, 
de algum dos poderes inerentes à propriedade.”

Para esclarecer, os poderes inerentes ao exercício do direito de propriedade são o de usar, gozar e dispor do bem.


Por seu turno, no art. 1.198, prescreve que:

Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.”


Assim, vemos que, na posse, quem a exerce, tem algum dos poderes inerentes à propriedade, ou seja, o uso e gozo do bem, não tendo apenas o direito de disposição (alienação) do mesmo, salvo se for proprietário. O possuidor age como se dono fosse da coisa. 

Já na detenção, a pessoa não tem esses pressupostos, pois ela apenas conserva a posse em nome do legítimo possuidor. Dessa forma, o detentor age não sob sua vontade, mas sob as ordens e orientações do possuidor. Na prática, o detentor possui, no máximo, o direito de uso precário do bem, sob a tolerância do possuidor.


Comodato

Nosso Código Civil, traz o conceito deste instituto, em seu art. 579, in verbis:

O comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.”


Como falamos de bem imóveis, o comodato, portanto, traduz-se no negócio jurídico que envolve o empréstimo por parte do possuidor, geralmente o proprietário (comodante), de forma gratuita, de um imóvel a terceiro (comodatário), consolidando-se o negócio com a entrega (tradição) das chaves do bem ao último.

De salientar-se que coisas não fungíveis ou infungíveis são aquelas que não podem ser substituídas por outras iguais, como é o caso do bem imóvel.

Pois bem, nesse caso, o comodatário assume a posse (direta) do imóvel, podendo dele usar e gozar, como se dono fosse do bem, inclusive conservando o mesmo e respondendo por eventuais danos causados ao imóvel.

Geralmente, o comodato se dá por prazo determinado, findo ao qual a posse direta do imóvel será devolvida ao seu legítimo proprietário ou possuidor. Quando não houver prazo, este se dará pelo tempo necessário ao fim a que se destina o comodato. Passado, este tempo, a posse se torna precária, dando o direito ao legítimo possuidor à reintegração de sua posse, se for o caso, na justiça.


Mera permissão de uso

Vejamos a previsão do art. 1.208, Código Civil:

Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência
ou a clandestinidade.”


Assim, a mera permissão de uso se dá quando o proprietário ou possuidor do imóvel deixa o imóvel aos cuidados de terceira pessoa (detentor), sob suas ordens e orientações, para que o último conserve a posse do bem em nome do primeiro. O que existe, de fato, é uma mera tolerância por parte do possuidor a que o detentor use o referido bem.

Um bom exemplo disso são os guardas de construções, os quais ficam cuidando do bem contra a atitude de qualquer outra pessoa que não a do seu senhor ou possuidor, inclusive possuem as chaves do imóvel. Outro exemplo interessante é quando o possuidor “autoriza ou permite” que seu imóvel na praia, sua fazenda, ou qualquer outro bem imóvel, seja usado por terceiros com a finalidade de lazer ou de festas num determinado dia, geralmente, finais de semana.

Contudo, a situação mais problemática, amplamente discutida em inúmeras ações judiciais, é o caso da permissão de uso do imóvel para moradia de outrem, inicialmente são por alguns dias, até que resta por tempo indeterminado. 

Esse tipo de negócio se dá, no mais das vezes, entre pessoas íntimas, isto é, parentes ou amigos, caso em que complica ainda mais o relacionamento entre as partes quando o detentor resolve, buscar na justiça a declaração judicial de negócio jurídico diferente do que realmente ocorreu, por exemplo, uma locação, comodato, doação, não raras vezes até usucapião do bem.


Jurisprudência

Vejamos o entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. POSSE. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.

1. Partindo da premissa estabelecida pelo Juízo de primeiro grau de que "[...] a embargante sempre foi mera detentora do imóvel em questão, pois possuía somente permissão de uso por tolerância do proprietário", deixou certo o acórdão recorrido que "não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância, não constituem eles, portanto, impeditivo à penhora do imóvel de propriedade do devedor".

2. Nesse cenário, o reclamo especial não merece ser conhecido, visto que não se mostra cabível, nesta via, perquirir acerca da condição da agravante como possuidora do imóvel ante o óbice constante da Súmula 7/STJ. Os fatos são aqui recebidos tal como estabelecidos pelo Tribunal a quo, senhor na análise probatória. E, se a violação do dispositivo legal invocado perpassa pela necessidade de se fixar premissa fática diversa da que consta do acórdão impugnado, inviável o apelo nobre.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 947.737/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016).
* grifo nosso


No mesmo sentido, o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul traz o ensinamento sobre a mera permissão de uso e o comodato:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. POSSE (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE RESCISÃO DE COMODATO C/C REINTEGRAÇÃO DE POSSE. REQUISITOS DO ART. 927 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PRESENTES. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. MANUTENÇÃO. A demonstração da posse pela parte autora sobre o imóvel controvertido, lhe confere o direito à reintegração possessória. Atos de mera tolerância ou permissão que não redundam em posse. Exegese literal do artigo 1.208 do Código Civil. Ademais, em se tratando de comodato, cabe ao comodatário o dever de conservação do bem, não podendo ser ressarcido das despesas havidas com o uso e gozo da coisa emprestada, a teor do disposto no art. 584 do Código Civil. Portanto, estando a decisão hostilizada em consonância com a prova produzida e com a legislação reguladora da matéria, faz-se de rigor sua confirmação nesta Corte, em seus exatos termos. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70046098125, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Maria Canto da Fonseca, Julgado em 10/12/2015). 
*grifamos


Considerações finais

O que se pode tirar de lição do acima exposto é que, todo negócio deve ser primeiramente conversado e acertado entre as partes no que tange à natureza do negócio que se quer fazer. Feito isso, o negócio escolhido (comodato ou declaração de permissão de uso) deverá ser documentado e assinado com reconhecimento de firma pelas partes, com duas testemunhas.

Outro ponto que consideramos de suma importância é constar o prazo do negócio no documento, bem como do interesse das partes em prorrogar ou não o contrato ao seu final.

Para proteger interesse do possuidor, imprescindível o documento escrito, seja ele comodato ou declaração de permissão de uso do seu bem a terceiro. Isso evita maiores transtornos, inclusive judiciais, por falta de prova documental.

Por outro lado, para proteger interesse do detentor, caso o negócio vise lhe tornar legítimo possuidor, recomendamos que o negócio seja também expresso, assinado em cartório, perante duas testemunhas, pois já vimos casos em que uma doação não se concretizou por falta de prova documental, somado ao arrependimento do doador que alegou em juízo mera permissão de uso do bem.


Fica aí a dica, um abraço.


Glaiton.


Um comentário:

  1. Parabéns para o pelo art. publicado publicação por se tratar de matéria por demais complexa, posse, comodado, usucapião etc. Muitas ações sobre usucapião urbano em que um do coerdeiros ocupa o imóvel a título gratuito por anos faz o pedido de usucapião urbano. O art. me ajudou muito.

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