quinta-feira, 13 de abril de 2017

Usucapião e suas modalidades – procedimento judicial e extrajudicial


Uma das formas de aquisição da propriedade é através do instituto do usucapião. Ele pode ser judicial (ação de usucapião) ou extrajudicial (processo administrativo realizado em cartório de registro de imóveis). Primeiramente, vamos discorrer um pouco sobre este instituto.




I – O que é usucapião?

A palavra usucapião vem do latim usucapio, que significa "adquirir pelo uso"; no sentido jurídico é o direito de domínio (propriedade) que um indivíduo adquire sobre um bem (no caso, imóvel) em função de o haver utilizado (estar na posse desse bem) por determinado tempo, de forma contínua e pacífica, como se fosse o real proprietário do mesmo.


II – Pressupostos

Para que o direito de propriedade seja reconhecido é necessário que o possuidor atenda determinados pré-requisitos previstos em lei, são eles:

- Esteja na posse do bem por determinado lapso de tempo;

- Que a posse seja mansa, pacífica e ininterrupta;

- Sem intervenção, seja do proprietário ou de terceiros.


III – Tipos de usucapião

A doutrina classifica o usucapião em três modalidades:

Usucapião ordinário;

Usucapião extraordinário; e

Usucapião especial.


III.1 - Ordinário

Previsto no art. 1.242 do Código Civil, é a modalidade de usucapião que depende de justo título e de boa-fé. Ele é caracterizado pela posse que, cumulativamente, ocorra de maneira mansa e pacífica, sem interrupção e sem oposição do proprietário. O tempo de posse exigido é de 10 anos.

Vejamos o dispositivo legal:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Esse prazo será reduzido de 10 para 05 anos se, comprovadamente, o possuidor houver adquirido o imóvel de forma onerosa (paga), com registro cartorário do título, mas que posteriormente esse título foi cancelado por conter algum vício.

Além disso, o possuidor deverá também ter estabelecido o imóvel para sua moradia, bem como ter realizado investimentos de interesse econômico e social.

O justo título poderá ser um contrato, um recibo de compra e venda ou qualquer outro documento que prove a aquisição do bem. A boa-fé pode ser entendida como a real intenção do possuidor de ser dono do bem, ante a constatação de que o imóvel fora abandonado pelo seu legítimo senhor.


III.2 - Extraordinário

Também previsto no Código Civil, em seu art. 1.238, o usucapião extraordinário independe de justo título ou de boa-fé. Nesse caso, apesar de não depender de justo título e boa-fé, a posse deverá ser justa, ou seja, não pode ser violenta, nem clandestina, nem precária; além de ser mansa e pacífica (sem oposição). O prazo é de 15 anos.

Veja-se o texto legal:

Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Esse tipo de posse se caracteriza quando o possuidor simplesmente entra no imóvel e lá permanece como se dono fosse, mansa e pacificamente, pelo referido lapso de tempo, sem que haja, nesse período, qualquer oposição do proprietário ou de terceiros. A sentença declaratória servirá como título hábil ao registro da propriedade do imóvel ao seu possuidor.

Além disso, o prazo do usucapião extraordinário poderá ser reduzido de 15 para 10 anos quando o possuidor houver, comprovadamente, estabelecido no imóvel a sua moradia habitual realizado no bem obras ou serviços de caráter produtivo.


III.3 - Especial

É a espécie de usucapião baseada na ideia da função social da propriedade, conforme o inciso XXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988:

Art. 5º (...)

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;


Divide-se em duas subespécies: a usucapião especial rural e especial urbana.

Por sua vez, a usucapião especial urbana ainda subdivide-se em duas modalidades: individual e coletiva.


III.3.1 - Urbana

III.3.1.1 - Individual

O usucapião especial urbana individual ocorre no caso de imóveis urbanos com área de até 250 metros quadrados. É necessário que o imóvel tenha sido ocupado para si ou para abrigo de sua família e, ainda, que o possuidor tenha tratado o imóvel como se dono fosse. 

Aqui não há exigência de justo título, mas presume-se a boa-fé. É exigido que o possuidor não seja proprietário de outro imóvel (urbano ou rural) e que a posse tenha ocorrido de forma mansa e pacífica, ininterruptamente e sem oposição. O prazo é de 05 anos.

Veja-se a previsão do art. 183, caput, da Constituição Federal:

Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.


III.3.1.1.1 - Individual familiar (por abandono do lar)

Trata-se de uma nova modalidade de usucapião especial urbana individual, incluído no Código Civil pela Lei 12.424/11. Nesse caso, é necessário que o imóvel seja usado como lar de um casal, sejam eles cônjuges ou companheiros (aqui entendemos hetero ou homossexuais), com ou sem filhos, mas que posteriormente seja abandonado por um deles e o outro permaneça no imóvel.

Prescreve o art. 1.240-A do Código Civil:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Nesse caso, a regra não é muito diferente das demais modalidades; para a concessão do usucapião, é necessário que a posse seja mansa, pacífica e ininterrupta, exclusiva e sem oposição do cônjuge ou companheiro que saiu do imóvel. O prazo, aqui, é de 02 anos.


III.3.1.2 - Coletiva

A usucapião urbana coletiva foi introduzida pela Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), que regulamenta a previsão do art. 183 da Constituição no sentido de conceder-se o usucapião de maneira coletiva, tendo como beneficiários pessoas de baixa renda.

Os requisitos são: posse mansa, pacífica e ininterrupta; sem oposição do proprietário ou terceiros, e não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. O prazo é de 05 anos.

Veja-se o art. 10 do Estatuto da Cidade:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

O possuidor poderá aproveitar o tempo de posse de seu antecessor, desde que as posses sejam contínuas. 

Porém, nesse caso, o juiz atribuirá igual fração ideal (mesmo tamanho de área) de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, exceto se houver acordo por escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

Como se trata de uma área com vários moradores (condomínio), em que a lei considera especial, o condomínio é indivisível, não cabendo, a princípio, extinção de condomínio, salvo se for por vontade de dois terços dos condôminos no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.


III.3.2 - Rural

Por fim, temos o usucapião rural, o qual já tinha previsão legal antes mesmo da Constituição de 1988, na Lei de Usucapião Especial de Imóveis Rurais nº 6.969/81. Com o advento da Carta Magna, a previsão do usucapião rural passou a vigorar no art. 191:

Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Por sua vez, o Código Civil Brasileiro também traz a mesma previsão da usucapião especial rural em seu art. 1.239.

O dispositivo legal acima traz os requisitos para a usucapião, quais sejam, não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural, posse mansa, pacífica e ininterrupta, área rural não superior a 50 hectares; e que a terra usucapida, além de servir como moradia, seja fonte de atividade produtiva capaz de garantir o sustento do futuro proprietário e de sua família. O prazo é de 05 anos.

Neste caso, não se exige justo título, mas presume-se a boa-fé quando diz que a terra deve servir para atividade laboral destinada ao sustento da família.


IV – Aproveitamento da posse anterior

Outra característica importante, que talvez muitos não saibam, é que a posse anterior pode ser contada para fins de tempo para usucapir o bem, desde que a atenda os requisitos a cada modalidade de usucapião.

Vejamos a previsão do art. 1.207 do Código Civil que trata da posse em geral:

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.


E do art. 1.243:

Art. 1.243. O possuidor pode, para o fim de contar o tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos casos do art. 1.242, com justo título e de boa-fé.


V – Quando não cabe o usucapião

Há casos em que não se admite, em princípio, o usucapião, como, por exemplo, de bens públicos, de herança, de imóvel resultante de contrato de locação, de condomínio, imóveis do sistema financeiro de habitação, etc. Não iremos nos aprofundar porque em todos os casos há grande discussão. Assim, poderá ser tema de outro artigo.


VI – Dos procedimentos

VI.1 - Usucapião Judicial

O novo Código de Processo Civil não trouxe previsão legal para a ação de usucapião. Isto significa que o procedimento adotado será o comum, previsto no art. 318 e seguintes.

Contudo, o CPC trouxe duas previsões sobre a ação de usucapião, são elas:

Art. 246. A citação será feita:

(...)

§ 3o Na ação de usucapião de imóvel, os confinantes serão citados pessoalmente, exceto quando tiver por objeto unidade autônoma de prédio em condomínio, caso em que tal citação é dispensada.


Art. 259. Serão publicados editais: 

I - na ação de usucapião de imóvel;


Desse modo a citação será feita aos proprietários de imóveis de fazem divisa com o imóvel usucapiendo, exceto se o imóvel for uma unidade autônoma dentro de um condomínio, por exemplo, um apartamento. Também se admite a citação por edital.

Haverá, durante o processo, a intervenção do Ministério Público, tendo em vista tratar-se de matéria de interesse público ou social (art. 178, inciso I do Código de Processo Civil).

Assim, preenchido todos os requisitos, o juiz declarará, por sentença, o direito de propriedade do usucapiente, a qual será registrada na matrícula do bem no registro de imóveis, ocasião em que o mesmo se torna proprietário do imóvel.


VI.2 – Usucapião Extrajudicial

O novo Código de Processo Civil, em seu art. 1.071, introduziu o art. 216-A na Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), que trata do usucapião extrajudicial, procedimento que será feito no cartório de registro de imóveis, em que o interessado deverá ser representado por um advogado, assim como no processo judicial.

Além das requisitos legais (posse mansa, pacífica e ininterrupta; e sem oposição), o interessado deverá apresentar um rol de documentos que instruirão o procedimento administrativo, elencados no art. 216-A da Lei de Registros Públicos:

Art. 216-A. Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com: 

I - ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias; 

II - planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes; 

III - certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente; 

IV - justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. 

O requerimento do usucapião será autuado pelo oficial registrador do cartório, sendo que o prazo da prenotação do pedido poderá ser prorrogado até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

Caso a planta do imóvel não contenha a assinatura de qualquer dos titulares de direitos reais ou outros direitos averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e dos imóveis confinantes, eles serão notificados pelo cartório pessoalmente ou por correio para que manifestem seu consentimento de forma expressa (documental) no prazo de 15 dias, sendo que o silêncio dos mesmos será considerado como discordância do procedimento de usucapião.

Aqui, a nosso ver, existe um problema, porque a lei, em geral, interpreta o silêncio como concordância. No entanto, no caso em tela, a interpretação é dada como discordância, levando ao não acolhimento do procedimento.

Assim, entendemos que, caso haja silêncio por parte de alguns dos proprietários dos imóveis confinantes ou daqueles que possuam direitos sobre o imóvel, a saída será o usucapião via judicial, nos termos do art. 1.071 do CPC c/c o art. 216-A, § 9º da Lei 6.015/73.

A União, Estados, Distrito Federal e Municípios serão cientificados pessoalmente ou por correios (carta com AR) para, querendo, se manifestarem no prazo de 15 dias sobre o procedimento. O silêncio, nesse caso, será interpretado como concordância.

O oficial do registro de imóveis publicará edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros que, eventualmente se interessem no pedido de usucapião, os quais poderão se manifestar também em 15 dias. 

Dessa forma, findo os 15 dias sem qualquer manifestação de terceiros interessados e sem pendência de diligências, bem como achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial do registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas pelo interessado, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso. 

Da decisão de acolhimento ou rejeição do pedido de usucapião é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos da lei. 

Por fim, se houver impugnação do pedido de reconhecimento do usucapião extrajudicial, apresentada por qualquer daqueles titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, ou por algum dos entes públicos ou ainda por algum terceiro interessado, o oficial do registro de imóveis remeterá o processo administrativo ao juízo competente da comarca da situação do imóvel (hipótese em que o processo agora se tornará judicial), cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum. 


VII – Considerações finais

Como vimos, são várias as modalidades de usucapião, cada uma direcionada para atender uma finalidade. Porém, é inafastável a ideia de que o instituto do usucapião tem como regra geral a finalidade de cunho social, não só como promessa de um direito à moradia (garantia constitucional), como também a destinação social do imóvel.

Existem casos que não podem ser objeto de usucapião, porém, existem exceções à regra, que podem ser discutidas em outro artigo, tendo em vista a dimensão da matéria.

Agora, com estas informações, veja em qual situação você se encaixa e escolha o procedimento a ser adotado. Aconselhamos que antes consulte um advogado para melhor lhe orientar em todo o processo.

Um abraço.

Glaiton.





quarta-feira, 5 de abril de 2017

A construção e sua relação com os imóveis vizinhos

Toda construção deve respeitar as normas técnicas e as leis municipais (limitações de ordem pública). Porém, as regras de construção vão além disso, ou seja, toda construção deve obedecer certas normas de direito civil que buscam proteger a privacidade e o patrimônio dos proprietários de imóveis vizinhos (limitações de ordem privada).



Nesse sentido, vale trazer os ensinamentos do jurista Carlos Roberto Gonçalves, que faz a distinção entre as limitações de ordem pública e as limitações de ordem privada:

As limitações de ordem pública são impostas pelos regulamentos administrativos e geralmente integram os códigos de posturas municipais. Têm em vista considerações de caráter urbanístico, como altura dos prédios e zoneamento das construções conforme a finalidade, impedindo a construção de edifícios de grande porte e de fábricas em bairros residenciais, bem como considerações relacionadas à segurança, higiene e estrutura dos prédios.

Já as limitações de direito privado constituem as restrições de vizinhança, consignadas em normas civis ou resultantes de convenções particulares. Assim, por exemplo, “não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos” suscetíveis de produzir interferências prejudiciais ao vizinho (CC, 1.308), nem construir de maneira que o seu prédio “despeje águas, diretamente, sobre o prédio vizinho” (art. 1.300).”

(GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das coisas. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, pág. 347.)

Assim, no presente artigo, iremos tratar das limitações de ordem privada. O Código Civil, traz um capítulo que fala do direito de vizinhança, contendo especialmente uma seção que trata do direito de construir, arts. 1.299 à 1.313.

É sabido que a construção civil é uma das áreas que mais cresce no país, apesar da crise financeira. Em consequência disso, inúmeros são os casos de problemas com imóveis vizinhos, principalmente, os lindeiros.

Os problemas são os mais variados, tais como: infiltrações, rachaduras na parede, falta de iluminação e ventilação, falta de privacidade, etc, levando os proprietários prejudicados a entrar na justiça com ações que visam impedir o término da construção e, muitas vezes, a sua demolição total ou parcial, dependendo do quanto a parte construída afetou o imóvel vizinho.

Dessa forma, vejamos algumas regras determinadas pelo Código Civil acerca das construções:


I – Escoamento de água e aberturas na construção

- O proprietário deverá construir de maneira que o seu prédio não despeje águas diretamente sobre o prédio vizinho;

- É proibido abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho;

- As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros, salvo as aberturas para luz ou ventilação, não maiores de dez centímetros de largura sobre vinte de comprimento e construídas a mais de dois metros de altura de cada piso;

- Em caso de construção na zona rural, é proibido construir a menos de três metros do terreno vizinho.

Mesmo após a conclusão da obra, o proprietário de imóvel prejudicado em face da construção poderá exigir que seja demolida a obra até o prazo de um ano e meio da finalização, sendo que, após esse prazo, não poderá dificultar o escoamento de água da referida obra, de modo que cause prejuízo a seu dono.

No que tange às aberturas, sentindo-se prejudicado, poderá o proprietário levantar contramuro a altura que lhe garanta a privacidade, ainda que vede a claridade para o imóvel construído.


II – Paredes divisórias

O Código Civil trata de três situações de divisões por paredes de imóveis, quais sejam, quando os dois imóveis possuem paredes (alinhadas), quando apenas um imóvel possui parede e quando os imóveis são divididos pela mesma parede (parede-meia), muito comum em casas germinadas.


II.1 – paredes alinhadas

No caso de imóveis alinhados, ou seja, não há distância entre as paredes (muito comum nos centros urbanos) a construção poderá ser madeirada, travejada, sobre a parede do imóvel do vizinho, mas nesse caso o dono da obra deverá indenizá-lo no valor correspondente à metade da parede e do chão correspondentes.


II.2 – apenas um vizinho possui parede

Esse vizinho, que já havia construído primeiro, tem o mesmo direito acima, ainda que tenha construído a parede divisória até meia espessura do terreno da obra nova.

Veja-se a previsão do art. 1.305, caput, do Código Civil:

Art. 1.305. O confinante, que primeiro construir, pode assentar a parede divisória até meia espessura no terreno contíguo, sem perder por isso o direito a haver meio valor dela se o vizinho a travejar, caso em que o primeiro fixará a largura e a profundidade do alicerce.

Na situação de a parede divisória pertencer a apenas um vizinho, o dono da obra, para construir o alicerce ao pé da parede daquele, deverá lhe alcançar uma caução devido ao risco que a obra poderá causar ao imóvel vizinho.

Vide o parágrafo do art. 1.305 do Código Civil:

Parágrafo único. Se a parede divisória pertencer a um dos vizinhos, e não tiver capacidade para ser travejada pelo outro, não poderá este fazer-lhe alicerce ao pé sem prestar caução àquele, pelo risco a que expõe a construção anterior.


II.3 – parede comum aos dois imóveis (parede-meia)

Essa pode ser a situação mais desvantajosa para ambos vizinhos, pois, a sua alteração poderá trazer riscos comuns aos dois lados.

A lei Civil diz que cada um poderá usar a parede-meia até a metade da espessura, desde que não coloque em risco a segurança do vizinho ou prejudique a separação dos prédios, isto porque poderá atingir-se também a privacidade alheia.

Sempre que um for realizar alguma obra ou reparo, deverá avisar previamente o outro, e ainda ter sua autorização se quiser fazer na parede armários ou algo parecido, ou que já tenham sido feitos do lado oposto da parede, o que é extremamente perigoso para a estrutura de ambos os prédios.

Também não se pode encostar na parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho, com exceção das chaminés ordinárias e dos fogões de cozinha.

Caso um dos vizinhos resolva altear (aumentar a altura) a parede divisória, deverá suportar todas as despesas, inclusive de conservação, salvo se a mesma parede aproveitar o outro vizinho, caso em que as despesas serão divididas.


III – Poços e nascentes

- são proibidas construções capazes de poluir, ou inutilizar, para uso ordinário, a água do poço, ou nascente alheia, a elas preexistentes;

- também são proibidas escavações ou quaisquer obras que tirem ao poço ou à nascente de outrem a água indispensável às suas necessidades normais. Aqui, a água poderá ser do vizinho lindeiro ou de terceiro;

- é proibida a execução de qualquer obra ou serviço suscetível de provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometa a segurança do prédio vizinho, salvo se, anteriormente, tiverem sido feitas as obras acautelatórias. 

Importante frisar que as obras acautelatórias não impedem o dono da obra ser obrigado a demolir a construção, além de indenizar seu vizinho, caso venha ocorrer algum dano ou prejuízo:

Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos.


IV – Uso do imóvel vizinho

Praticamente, todos os casos de obras e construções necessitam do espaço do imóvel vizinho para a sua consecução. E isso cria, muitas vezes, um mal estar entre os vizinhos, seja porque não tem boa relação, seja porque não se conhecem.

No entanto, a fim de resguardar tanto o direito a privacidade do vizinho da obra, como o direito de uso do proprietário da obra, o Código Civil estipulou algumas regras, estas estampadas no art. 1.313 e seus parágrafos:

Art. 1.313. O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para:

I - dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório;

II - apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente.

§ 1º O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva.

§ 2º Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel.

§ 3º Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano, terá o prejudicado direito a ressarcimento.


Considerações finais

Dessa forma, vimos que a legislação civil cuidou de regrar as relações do direito de vizinhança, dentre outros, o direito de construir, estabelecendo, portanto, as limitações de ordem privada, que tratam de quatro situações.

Não podemos esquecer que existem outras normas, também reguladas pelo Código Civil e por legislação específica, quando se trata de condomínio, o que será abordado em outra ocasião.

A dica que fica é que, antes de iniciar qualquer obra, construção ou reparo em imóvel já existente, é prudente que o executor da obra procure seu vizinho e esclareça tudo o que pretende fazer, mostrando a ele, se for o caso, a planta da obra, as autorizações legais, o responsável técnico, etc, até mesmo para estabelecer uma relação de confiança com o vizinho, tranquilizando-o no sentido de que não haverá, em princípio, qualquer risco para o seu imóvel.

Assim, em caso de algum problema, tudo fica mais fácil de se resolver, já que houvera um diálogo inicial sobre o assunto entre as partes, evitando-se processos judiciais e medidas liminares que possam impor o desfazimento imediato da obra, sem prejuízo de indenização ao vizinho prejudicado.

Um abraço

Glaiton.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

A penhorabilidade do bem de família do fiador de aluguel

Um tema polêmico, que foi amplamente discutido, durante muito tempo, foi a questão da penhorabilidade ou da impenhorabilidade do único imóvel pertencente à fiador de aluguel. 



Sabe-se que na situação de a pessoa possuir um único bem imóvel que seja sua residência, a própria lei da impenhorabilidade (8.009/90) reconhece, em seu art. 1º, como bem de família. 

Vejamos o texto legal: 

"Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados."

No entanto, o art. 3º da mesma lei traz uma lista de exceções à regra, dentre eles, à do fiador de aluguel. 

Vejamos o que diz no artigo 3º:

"Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(...) 

VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação."

Contudo, durante as execuções judiciais decorrentes de dívida locatícia, levantaram-se enormes discussões sobre a penhorabilidade do único imóvel do fiador, já que, à luz do artigo 1º da referida lei, era impenhorável. 

Dessa forma, no intuito de por termo à esse debate, diante de inúmeros recursos repetitivos, o egrégio Superior Tribunal de Justiça, uniformizou entendimento de que, no caso de fiança, apesar de ser o único bem do fiador, é passível de penhora. 

Veja-se o julgamento abaixo: 

DIREITO CIVIL. PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA PERTENCENTE A FIADOR. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ). 

É legítima a penhora de apontado bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, ante o que dispõe o art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990. A Lei 8.009/1990 institui a proteção legal do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da entidade familiar e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna. Nos termos do art. 1º da Lei 8.009/1990, o bem imóvel destinado à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no art. 3º da aludida norma. Nessa linha, o art. 3º excetua, em seu inciso VII, a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação, isto é, autoriza a constrição de imóvel - considerado bem de família - de propriedade do fiador de contrato locatício. Convém ressaltar que o STF assentou a constitucionalidade do art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990 em face do art. 6º da CF, que, a partir da edição da Emenda Constitucional 26/2000, incluiu o direito à moradia no rol dos direitos sociais (RE 407.688-AC, Tribunal Pleno, DJ 6/10/2006 e RE 612.360-RG, Tribunal Pleno, DJe 3/9/2010). Precedentes citados: AgRg no REsp 1.347.068-SP, Terceira Turma, DJe 15/9/2014; AgRg no AREsp 151.216-SP, Terceira Turma, DJe 2/8/2012; AgRg no AREsp 31.070-SP, Quarta Turma, DJe 25/10/2011; e AgRg no Ag 1.181.586-PR, Quarta Turma, DJe 12/4/2011. REsp 1.363.368-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 12/11/2014. 

Em sendo assim, é aconselhável àquele que vai servir como fiador de aluguel, tomar todas as precauções antes de aceitar a garantia, dentre elas: 

- averiguar se o locatário possui realmente condições de pagar o preço da locação, o ideal é que o mesmo perceba, no mínimo, três vezes o valor do aluguel; 

- verificar se o locatário possui outros bens que possam garantir uma futura execução; 

- solicitar ao locatário certidões negativas de débitos junto a órgãos de restrição de crédito, como, por exemplo, SPC, SERASA, etc; 

- investigar se o locatário possui algum processo cível de cobrança ou execução decorrente de outras obrigações, inclusive, de aluguel. 

É bastante recomendável que o locatário seja pessoa conhecida, o que provavelmente é de fácil constatação as suas condições para a locação de um imóvel. 

Por fim, evitar sempre ser fiador de contrato de locação com o fim de auferir renda, o chamado “fiador profissional” ou “fiador de aluguel”, pois, além de ser uma prática ilícita, poderá trazer outros prejuízos além da perda do imóvel. 

Essas dicas por si só não se exaurem, cabendo ao futuro fiador se assegurar, por todos os meios, de que poderá garantir o locatário sem comprometer seu único patrimônio.

Um abraço.

Glaiton.